opinião

A esfinge da intervenção militar no Rio de Janeiro

O anúncio da intervenção militar no Rio de Janeiro, travestida de intervenção federal, tornada pública no último dia 15, é mais um capítulo da tragédia anunciada da falta de legitimidade dos atuais mandatários federais, eleitos ou não, como também da ausência de uma política nacional de segurança pública, baseada em evidências. Trata-se, ademais, de uma pá de cal nas frágeis bases jurídico-legais da segurança pública e da justiça criminal do país.

Sinais outros já prenunciavam a emergência desta nova esfinge que recai, por ora, no Estado do Rio de Janeiro. O principal deles: a completa apatia e invisibilidade do atual ministro da Justiça na agenda pública sobre a inadiável necessidade de provimento qualificado da segurança. A ocupação da quase totalidade dos postos desse Ministério pelo alto escalão das Forças Armadas, inclusive na desidratada Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), foi outro. A afirmação do ministro da Defesa, Raul Jungmann, em evento promovido pelo Viva Rio e pela Polícia Militar, na sede da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), em 31 de janeiro de 2018, de que o dito sistema de segurança pública estaria falido, a demonstração tácita do que se avizinhava. Escudado nas históricas dificuldades de governança federativa, nos altos índices de vitimização letal e de crimes violentos, no descalabro da gestão prisional, na percepção social de medo, não do Rio de Janeiro, mas do Brasil, o ministro da Defesa, em evidente pactuação interna com os chefes dos poderes Executivo e Legislativo da União, com o vexatório aval do Supremo Tribunal Federal, ditava o ritmo dos despojos da segurança pública brasileira com a sua nefasta colonização militar.

A bola da vez, não por acaso em um ano eleitoral e em governos com quase nenhum crédito junto à população, é o Rio de Janeiro, cada vez mais imerso no seu purgatório de pouca beleza e abundante caos. O afastamento do secretário Estadual da Segurança Pública fluminense, Roberto Sá, delegado da Polícia Federal, companheiro de jornada de José Mariano Beltrame, então secretário, e da subserviência de toda a cúpula das polícias militar e civil do Estado a um general do Exército demonstram, cabalmente, o ineditismo da decisão tomada, que, por sua natureza e escala, difere da adoção pontual do emprego das Forças Armadas para Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), as quais, diga-se de passagem, já vinham sendo adotadas de forma desmesurada. Não é crível acreditar, por isso, que o mero recurso ao Exército terá o condão de instalar a paz. As Forças Armadas, sabidamente, não são preparadas para esse tipo de demanda, seja porque tal incursão na segurança urbana ofende sua missão constitucional, ao menos nos atuais termos, seja porque os problemas que avultam de modo mais candente no Rio têm suas raízes em problemas estruturais, para além dos conjunturais.

Ora, a quem interessa a intervenção militar no Rio? Aos cidadãos e cidadãs fluminenses? Duvido. Aos policiais? Tampouco. Aos praças e à maioria dos oficiais das Forças Armadas? Acredito que não. Esse procedimento é mais um factoide, uma tentativa irracional dessa súcia que tomou de assalto o Brasil, pela via da democracia representativa ou não, repito. Servirá apenas para expor os profissionais das Forças Armadas, das polícias estaduais e vilipendiar, ainda mais, o combalido uso da força no território nacional, por conta do previsível aumento da violência institucional, já elevadíssima.

Até quando a cidadania brasileira irá naturalizar as violações de direitos cotidianas na área da segurança pública? Até quando irá achar aceitável o número de mortos de civis e de policiais nas cidades do Brasil? Até quando irá se manter anestesiada pelo sentimento de insegurança e pavor social, a ponto de entender como tolerável mais esse absurdo espetáculo de incompetência política que submete, paradoxalmente, a todas e todos a mais riscos de vitimização e frustração? Até quando irá se sustentar esta malfadada política de guerra às drogas, raiz de parte substantiva dessa problemática? Até quando serão desprezados dados, informações, conhecimentos e fatos? Até quando? 

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